Portal Brasileiro de Cinema  Ontem, hoje e quase sempre: o valor da experiência

Ontem, hoje e quase sempre: o valor da experiência

Rogério Sganzerla

"Nós somos aquilo que vemos"

Sempre achei que um bom filme de cinema – não me refiro a fita, novelão ou celulóide – consegue mexer com a cabeça das pessoas, sobretudo jovens, fazendo com que todos pensem mais e melhor. Um bom filme experimental, algo raro hoje em dia, pode modificar sensivelmente a mentalidade de qualquer consumidor de lixo programado, seja na telinha ou no telão, onde a programação se revela cada vez mais comprometida com a ignorância. E nada pior que a ignorância exclusiva e voluntária. Então, ainda aí, os burocratas que liquidaram com o nosso cinema artístico, impingindo a ausência do binômio pão e circo. Nem uma coisa nem outra. Nesses casos, a coisa fica difícil para todos. O modismo é sempre um sinal perfeito daquilo que é de segunda mão. E a politicagem estraga tudo. Durante um século tudo foi filmado, documentado, mas geralmente perdido devido ao descaso e à omissão dos encarregados. Por causa disto, não existe hoje no país um processo-cinema, muito menos uma cultura cinematográfica orgânica e realizada com vigor espontâneo, como um trabalho consciente sobre o real.

Desde os anos 60, tentamos descobrir por nós próprios, com a câmera à altura do olho e do ouvido, com nossos pró-prios meios e com limitados recursos, tudo o que fosse possível sobre este lugar em que vivemos intensamente: um segmento temporal, onde o abuso de autoridade tem sido a constante; seja ontem, durante a riquíssima e criativa fase da produtora Belair (Hollywood às avessas), etc.

A melhor e mais interessante saída para o cinéfilo é ver filmes, invisíveis no Brasil por conta do sistema de distribuição manipulada, a não ser em ocasiões especiais como essa, propiciada pelo CCBB. Reconheço que são filmes incômodos: A mulher de todos; Copacabana, mon amour; Sem essa Aranha, assim saudado por Carlos Adriano: "filme inaugural, parece refazer o cinema como gesto daquelas obras inaugurais que reinventam uma linguagem, pois o filme se estrutura sob o corajoso expediente do plano-seqüência. A ação se dilata dentro das cenas, os personagens duelam contra códigos de interpretação e as imagens resistem, assim como o filme, após 30 anos".

Porque essa filmografia descontínua demorou tanto tempo para ser deglutida? O princípio da exclusão, ditado pelos "czares da moda", impõe até hoje esse jejum de idéias. Lutaram, ontem como hoje, contra esses pedaços de vida que, para quem sabe ver com olhos livres, são retratos falados da própria vida brasileira. E o que vale é a poesia, captada por uma vil mecânica (elementar, meu caro Watson Macedo): por um cinema de livre invenção poética, como fator de aprimoramento físico e espiritual, além da reafirmação das surpresas do outro mundo – o inferno não são os outros, mas os mesmos atrasados de sempre.

Finalmente, constituem uma reflexão conseqüente sobre nossa realidade, na década do terror que, cinematograficamente, continua agindo até hoje.